Entre a Lei e o Betão: A Nova Batalha do IVA na Reabilitação Urbana
Estamos perante um acórdão de uniformização de jurisprudência que teve por base a redação da verba 2.23 da Lista I do Código do IVA até 6 de outubro de 2023 (altura da entrada em vigor do Programa Mais Habitação), onde o STA vem afirmar que é necessário ORU (e não apenas ARU) para que esteja em causa uma empreitada de reabilitação urbana, concluindo que: “A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana”.
Em traços gerais, de acordo com a decisão do STA, às empreitadas realizadas em ARU para as quais não tenha sido também aprovada ORU, não deve ser aplicada a taxa de IVA de 6%, mas de 23%.
Ora, se por um lado esta decisão clarifica uma temática, procurando dirimir a incerteza e litigância significativa entre a AT e os contribuintes acerca da aplicação da taxa reduzida do imposto, por outro, parece-nos claro que os dados se encontram lançados para o renascer da discussão, uma vez que os operadores económicos, para quem o IVA pode ser um custo, não ficarão inertes ao ver a margem dos seus projetos significativamente diminuída. A este respeito, note-se que foi já recentemente entregue um pedido de nulidade da decisão do STA cujo resultado é, de momento, imprevisível.
Mas voltando à temática central, é importante destacar que esta decisão do Supremo encerra uma restrição a um benefício fiscal, com um impacto que se antecipa no mínimo desafiante no âmbito da reabilitação do parque imobiliário, especialmente se pensarmos em projetos habitacionais, onde por si só, já se enfrentava uma crise sem igual.
Dir-se-á mais, respeitando naturalmente o mérito da decisão, o STA levantou o véu para outras questões, nomeadamente, qual o enquadramento de IVA a aplicar aos casos em que a empreitada avança em ARU (não se encontrando ORU aprovada), mas cuja aprovação ocorrerá ainda no decurso da empreitada? Deve, nestes casos, o contribuinte aplicar enquadramentos diferenciados de IVA à mesma empreitada?
Além disso, a coberto desta nova orientação jurisprudencial a AT já se encontra a iniciar procedimentos inspetivos no sentido de reapreciar o tratamento conferido, já se vislumbrando uma espiral de liquidações adicionais de IVA (a acrescer às que já existem), correspondentes à diferença entre a taxa reduzida de 6% e a taxa normal de 23%, sempre que tenha sido liquidado (ou autoliquidado) IVA a 6% nas empreitadas realizadas em ARU para as quais não tenha sido aprovada ORU.
Aqui chegados, é relevante ressalvar que a discussão sobre a ARU e ORU não representa a totalidade de situações originadoras de litígio no âmbito da verba. Pois vejamos:
A atual redação da verba que limita a sua aplicação a “empreitadas de reabilitação de edifícios” (ao invés de “empreitadas de reabilitação urbana”) deixa antever novos debates centrados na interpretação do conceito de “edifício”, que ainda se encontrando definição no RJRU trará dificuldades práticas de concretização. Pode uma ruína ser considerada reabilitação de edifícios? Apesar de não se tratar propriamente de uma discussão nova – já muito se indagou sobre este conceito quando se discutiu se a construção nova cabia no conceito de empreitada de reabilitação urbana – o debate ganhará agora novos contornos, com alteração da redação da norma para “reabilitação de edifícios”, quando antes dizia “reabilitação urbana”.
E o que dizer de questões levantadas pelo regime transitório que foi introduzido aquando a alteração de redação da verba, e que permite a aplicação da redação anterior aos casos em que existam “pedidos de licenciamento, de comunicação prévia ou pedido de informação prévia respeitantes a operações urbanísticas submetidos junto da câmara municipal territorialmente competente antes da data da entrada em vigor da presente lei.”; ou “pedidos de licenciamento ou de comunicação prévia submetidas junto da câmara municipal territorialmente competente após a entrada em vigor da presente lei, desde que submetidas ao abrigo de uma informação prévia favorável em vigor, se traduziu em esperança, um olhar mais atento desvendará uma nova preocupação”? Numa informação vinculativa, a AT parece excluir a aplicação deste regime transitório a um pedido de licenciamento de um loteamento efetuado antes da entrada em vigor da nova redação da lei, mas estará esta posição em conformidade com o propósito do regime transitório?
Nos meandros da verba e da incerteza que encerra, pequenos players adotarão uma posição mais conservadora e os investimentos ficarão pelo papel. Os grandes players podem tender a adiá-los ou até a perder rentabilidade significativa em função do ónus de IVA que pode ter de ser suportado. Como se sabe, em projetos imobiliários com finalidade de habitação, o IVA não é recuperável, e a margem do negócio pode derrapar a níveis que deitem por terra a vontade de investir.
Como deverão agora os contribuintes e operadores económicos reagir?
Para dar resposta às incertezas e desafios suscitados, a Forvis Mazars (Departamentos de Fiscal e Legal em conjunto) já se encontra dedicada a apoiar os seus Clientes. Perante a indefinição que persiste, a tónica coloca-se na análise prévia, na avaliação das condicionantes aplicáveis e na criação de oportunidades a partir da adversidade.
É aqui que um parceiro como a Forvis Mazars poderá fazer a diferença, quer através de assessoria, na relação com a AT, como nas interações com os Municípios e no apoio na revisão de contratos, assegurando um acompanhamento integral e estratégico em todas as questões que se venham a suscitar ao redor da verba 2.23 e, de forma mais premente e urgente, nos impactos trazidos pela recente decisão do STA.